SOLiEDAD: uma experiência reconhecida na investigação sobre solidão não desejada
A solidão não desejada é um dos grandes desafios sociais do nosso tempo. Não se trata de um fenómeno individual, nem de um simples estado emocional, mas de uma realidade complexa e multicausal que reflete tensões profundas na forma como vivemos, nos relacionamos e organizamos as nossas comunidades. Conscientes disso, a Fundación Patronato Europeo del Mayor (PEM) acaba de publicar o Estudo de práticas participadas eficazes na abordagem dos riscos da Solidão Não Desejada em pessoas idosas, um trabalho rigoroso que analisa experiências comunitárias em oito comunidades autónomas espanholas.
Entre as iniciativas selecionadas, o relatório coloca o projeto SOLiEDAD, desenvolvido em Zamora pelo Centro Internacional sobre o Envelhecimento (CENIE), como uma das experiências mais relevantes e transformadoras. Este reconhecimento adquire ainda mais valor por se tratar de um estudo financiado pelo IMSERSO, que procura identificar práticas com potencial de impacto e escalabilidade em todo o território nacional.
Um projeto nascido em Zamora com vocação transformadora
O SOLiEDAD nasceu em 2022 no âmbito do Programa para uma Sociedade Longeva, cofinanciado pelo Programa INTERREG Espanha–Portugal (POCTEP), da União Europeia. O seu objetivo foi claro desde o início: abordar a solidão das pessoas idosas a partir da ação comunitária e da investigação aplicada, gerando não apenas conhecimento, mas também intervenções concretas capazes de melhorar a vida de quem participa.
O projeto foi desenvolvido em várias fases. Após um diagnóstico inicial e uma campanha de sensibilização, organizaram-se encontros guiados nos quais pessoas idosas de Zamora — que tinham manifestado sentir-se sozinhas — partilharam reflexões, recursos e experiências de vida. Estes espaços não foram sessões assistenciais, mas autênticos fóruns de participação, dinamizados por voluntariado sénior da própria cidade e apoiados por jovens voluntários da Escola Universitária de Enfermagem de Zamora, uma instituição que desempenhou um papel central no desenvolvimento metodológico e operativo.
Desta forma, o SOLiEDAD tornou-se em algo mais do que um estudo: foi uma intervenção comunitária que criou vínculos, gerou confiança e permitiu que a investigação se traduzisse em práticas vividas.
A visão da investigadora Elisa Sala Mozos
O relatório da Fundação PEM recolhe o testemunho de Elisa Sala Mozos, investigadora do CENIE e diretora do projeto SOLiEDAD. As suas palavras refletem um olhar lúcido e crítico sobre a natureza da solidão:
“Eu não sei se a solidão temos de a erradicar, parece-me que não, porque a solidão é uma emoção, tal como a tristeza e a alegria. Mas talvez o que sim devêssemos perguntar é quais são as causas que estão por detrás deste sentimento e da sua grande prevalência nas sociedades atuais.”
Esta reflexão conecta-se com a abordagem geral do estudo: a solidão não pode ser reduzida a um problema individual que se resolve com atividades isoladas. É um fenómeno no qual intervêm fatores culturais, económicos, urbanísticos e sociais, e que exige respostas coletivas, preventivas e comunitárias.
A contribuição de Elisa Sala não é apenas conceptual. Ela conseguiu criar pontes entre investigação e prática, demonstrando que um projeto académico pode converter-se em motor de mudança real se estiver enraizado na comunidade e for construído com a participação ativa das pessoas idosas.
O papel da Escola Universitária de Enfermagem de Zamora
O reconhecimento ao projeto SOLiEDAD valoriza também a Escola Universitária de Enfermagem de Zamora, dependente da Universidade de Salamanca. Esta instituição assumiu um papel fundamental na dinamização das sessões, na formação do voluntariado e no acompanhamento dos participantes. O seu envolvimento não só deu solidez académica e metodológica ao projeto, como também permitiu uma relação próxima com a comunidade local, reforçando a confiança e a continuidade das ações.
O relatório destaca que esta liderança local foi determinante para o êxito do SOLiEDAD. Num território marcado pela despovoação e pelo envelhecimento, a participação ativa de uma instituição de referência como a Escola de Enfermagem trouxe credibilidade, enraizamento e capacidade de mobilização.
Para além da assistência: comunidade e convivência
O que distingue o SOLiEDAD de outras iniciativas é a sua abordagem preventiva e participativa. Não se trata de “paliar” a solidão com atividades pontuais, mas de criar comunidade: favorecer o encontro, a reciprocidade e a construção de um sentido partilhado. Nas palavras do próprio relatório, o impacto positivo do projeto não reside tanto na atividade concreta, mas em tudo o que acontece em redor: as conversas informais, o apoio mútuo, a confiança que surge num grupo que se sente parte de algo maior.
Os resultados falam por si. Quem participou no SOLiEDAD não só ampliou a sua rede de relações, como também melhorou o seu bem-estar emocional e recuperou a sensação de pertença. Algumas pessoas expressaram que, após os encontros, tinham encontrado novas amizades, recuperado rotinas de cuidado pessoal ou diminuído a necessidade de recorrer reiteradamente ao médico.
Um modelo com futuro
O reconhecimento da Fundação PEM confirma que o SOLiEDAD não é apenas uma experiência local, mas sim um modelo com potencial de réplica noutros territórios. A sua combinação de investigação, ação comunitária e participação intergeracional oferece uma fórmula inovadora para abordar a solidão não desejada a partir de uma perspetiva integral.
Num momento em que a solidão é percecionada como uma das “epidemias silenciosas” do século XXI, projetos como este mostram que a resposta não está unicamente em novas tecnologias ou serviços assistenciais, mas em recuperar a força da convivência e o protagonismo das pessoas idosas na construção da comunidade.
O projeto SOLiEDAD é, em definitivo, um exemplo de como a investigação pode converter-se em ação transformadora quando é construída a partir da participação. O seu reconhecimento no Estudo de práticas participadas eficazes… legitima o caminho empreendido e reforça a convicção de que a solidão não desejada pode ser enfrentada com estratégias comunitárias, participativas e sustentáveis.
Em Zamora, a solidão deixou de ser um silêncio privado para se converter num tema coletivo, partilhado e aberto a novas respostas.