Moda e longevidade: a estética de uma vida extensa
A moda sempre falou do tempo… mas quase nunca da passagem do tempo. Durante décadas, o imaginário estético associou a beleza à juventude, a vitalidade à pele lisa e a elegância a uma espécie de perfeição sem história. Mas as sociedades longevas de hoje — e ainda mais as de amanhã — exigem uma estética diferente: uma que reconheça a idade não como defeito, mas como linguagem.
A moda, entendida como expressão cultural, tem um papel decisivo na forma como olhamos para a longevidade. E também na forma como nos olhamos quando envelhecemos.
A invisibilidade estética da velhice
Nas passerelles, durante anos, a idade parecia ter uma única direção: desaparecer. Modelos eternamente jovens, pele sem rugas, corpos sem rasto de experiência. Um tempo suspenso.
Mas essa narrativa já não coincide com a realidade social. Hoje, em Espanha e Portugal, mais de 20% da população tem mais de 65 anos, e muitos vivem vidas ativas, cultivadas e diversas. No entanto, a sua presença visual na moda tem sido mínima, como se a estética não tivesse espaço para uma vida extensa.
Esta invisibilidade não é inocente: alimenta o idadismo, reforça a ideia de obsolescência e empurra milhões de pessoas para um sentimento de irrelevância estética.
A pergunta é: quem decide que corpos merecem visibilidade?
Quando a moda abre os olhos
Na última década surgiram sinais de mudança. Casas como Céline, Balenciaga ou The Row incorporaram modelos de 60, 70 e 80 anos nas suas campanhas. Ícones como Carmen Dell’Orefice — aos 92 anos — ou Maye Musk demonstraram que a beleza não é propriedade exclusiva da juventude.
Na fotografia, artistas como Ari Seth Cohen (criador do movimento Advanced Style) retrataram a velhice como uma explosão de identidade, originalidade e liberdade. E, em Portugal e Espanha, editoriais de moda independentes começam a incluir corpos longevos para narrar uma estética mais honesta, mais ampla.
Não se trata de fazer “moda para idosos”, mas de ampliar a conversa visual para que o mundo real possa ver-se refletido.
Quando a moda inclui todas as idades, a cultura começa a respirar.
A estética da experiência
A moda tem uma capacidade extraordinária de converter o pessoal em público, o individual em símbolo.
E aqui surge uma ideia poderosa: a longevidade não muda apenas o corpo, muda também o estilo.
As rugas contam histórias.
O cabelo branco pode ser uma declaração de presença.
Um gesto pausado pode transmitir mais força do que um corpo atlético.
A estética da experiência é profundamente política: reivindica que o tempo vivido é valor, não desgaste.
Em sociedades longevas, a moda tem a responsabilidade — e a oportunidade — de mostrar que a idade não apaga a beleza, simplesmente a transforma.
Roupas que acompanham a vida
Envelhecer é também mudar a relação com o corpo. A moda funcional, o calçado confortável, os tecidos que se adaptam, as peças que facilitam o movimento… tudo isto não é concessão, mas design inteligente.
As melhores marcas do futuro serão as capazes de unir estética e acessibilidade: beleza que respeita o corpo, não que o castiga.
Isto implica pensar em fechos magnéticos para mãos com artrite, em costuras suaves para peles mais finas, em tamanhos realistas, em cores que dialoguem com o tom do rosto em qualquer idade.
A moda inclusiva — a verdadeira — não é uma tendência; é uma forma de respeito.
A passerelle como espaço político
Pode soar exagerado, mas não é: a moda é um espaço político.
O que se vê legitima; o que não se vê, desaparece.
Quando as campanhas mostram apenas corpos jovens, a mensagem é subtil, mas contundente: a velhice não é aspiracional.
Quando mostram corpos longevos a desfrutar de estilo, design e presença, abrem uma brecha nos estereótipos sociais.
A moda pode ser uma aliada na luta contra o idadismo. Pode normalizar a diversidade estética das sociedades longevas. Pode recordar-nos que o estilo não tem prazo de validade.
A estética do futuro
A mudança cultural de que precisamos não depende apenas de descobrir novas peças ou novas tendências, mas de mudar o olhar. A moda — como toda a criação humana — não é alheia à transformação social: responde a ela e, por vezes, antecipa-a.
Se entendermos a longevidade como oportunidade — e não como perda —, a moda pode tornar-se num dos territórios mais férteis para imaginar esse futuro. Um futuro onde o estilo não tenha idade, onde a beleza seja plural e onde o tempo vivido não retire valor, mas o multiplique.
A estética de amanhã não consistirá em ocultar a passagem do tempo, mas em vesti-la com dignidade, criatividade e autenticidade. Será uma linguagem visual capaz de reconhecer todas as trajetórias, todas as biografias e todas as idades como parte legítima da vida pública.
Porque talvez a verdadeira revolução estética do século XXI não seja reinventar a moda, mas reconciliá-la com a vida extensa que já somos.
Que imagem gostarias de ver mais na moda do futuro: a juventude que sempre vimos ou a diversidade real de idades que já somos?