08/08/2025

Uma capa para vidas de cem anos: quando a idade conta outra história

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Uma reflexão a propósito da reportagem de Jesús Ruiz Mantilla no El País Semanal

 

Cara de un hombre con barba y bigote

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No passado domingo, o El País Semanal publicou uma reportagem intitulada “Vidas duras e dias de vinho e rosas: os segredos das pessoas centenárias em Espanha”, assinada por Jesús Ruiz Mantilla. Nas suas páginas, traça-se, com delicadeza e profundidade, algo mais do que um retrato da longevidade: uma constelação de vidas que atravessaram o século sem deixar de olhar em frente.

Josefa, Esperanza, Domingo… São nomes concretos com vozes reconhecíveis. Vivem com mais de cem anos, mas não sob o peso do extraordinário, e sim na continuidade do humano. Falam do seu trabalho, das suas perdas, dos seus hábitos, das suas ideias. Não se definem pela idade, mas pela biografia. O artigo — a que se somam fotografias que convidam à pausa — acerta no essencial: não romantiza, não infantiliza, não mitifica. Escuta.

Entre os dados que acompanham o texto, recorda-se que, em 2024, viviam em Espanha mais de 16.000 pessoas centenárias, e que, nos próximos 50 anos, poderão ultrapassar as 230.000 se a tendência atual se mantiver. O número não pretende alarmar, mas sim chamar a atenção para uma transformação profunda já em curso. A longevidade, queira-se ou não, deixou de ser uma exceção biográfica para se tornar uma dimensão estrutural das nossas sociedades.

O importante não é viver mais, mas viver com sentido

Durante décadas, o debate sobre o envelhecimento oscilou entre a preocupação com a dependência e o elogio do envelhecimento ativo. Mas a realidade, como demonstra a reportagem, é mais rica e mais complexa. Não há uma fórmula secreta nem um padrão único. O que existem são trajetórias de vida tecidas com vínculos, trabalho, perdas, rotinas, uma certa disciplina e uma vontade — mais ou menos consciente — de continuar presente.

Falar de longevidade ativa é, nesse sentido, falar das condições que permitem a cada pessoa habitar o seu tempo com dignidade, segurança e significado, para além do número de anos acumulados.

O estrutural não se improvisa

A reportagem transmite uma ideia que ressoa com cada vez mais força em diferentes contextos: não basta adaptar o que já existe ao envelhecimento. É preciso repensar tudo a partir da longevidade.

Isso implica antecipar — e não apenas corrigir —: investir na prevenção, redesenhar os modelos de cuidados, adequar os ambientes urbanos, compreender os tempos de vida não lineares e garantir que o progresso científico, económico e tecnológico inclua a longevidade como métrica de sucesso social.

Neste contexto, os centenários não são uma raridade: são um aviso lúcido e uma oportunidade de aprendizagem. Se eles chegaram até aqui, estaremos nós à altura do que está por vir?

Um olhar que interpela todas as gerações

O mérito do texto de Jesús Ruiz Mantilla está também em recordar-nos que o futuro não começa amanhã, mas na forma como hoje olhamos para quem já viveu mais. Sempre que retratamos a velhice com compaixão ou condescendência, falhamos. Mas sempre que conseguimos vê-la como parte do “nós” — e não como uma alteridade —, damos um passo em direção a uma sociedade mais íntegra.

Por isso esta capa importa. Porque não é um postal. É um espelho.

Um agradecimento

Num tempo saturado de títulos efémeros, agradecemos que um meio como o El País dedique espaço, tempo e cuidado a narrar estas vidas. E agradecemos especialmente o trabalho de Jesús Ruiz Mantilla, por tê-las contado sem artifício, com respeito e profundidade.

Oxalá este artigo não encerre uma conversa, mas a abra em muitos outros lugares: nas casas, nos centros de saúde, nos governos, nas universidades, nos meios de comunicação… e em cada canto onde ainda possamos perguntar-nos não apenas quantos anos vivemos, mas como queremos vivê-los.


O que queremos realmente dizer quando falamos em “envelhecer bem”?