31/05/2025

Cidades que prolongam a vida

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Envelhecer bem não depende apenas do corpo, mas também do lugar.

Uma mulher de 83 anos dá uma volta para encontrar a única passagem de peões com semáforo no seu bairro.

Não é que não possa atravessar, é que já não pode improvisar.

Para três vezes. Olha. Respira. Continua.

Tudo à sua volta parece feito para quem anda depressa, para quem não precisa de apoio.

E nesse trajeto simples esconde-se uma pergunta complexa:

Que cidade estamos a desenhar quando deixamos de fora quem mais precisa dela?

Que cidade estamos a desenhar quando excluímos quem mais precisa dela?

A partir de Portugal o Espanha e do sul da Europa, onde o envelhecimento demográfico avança com força, é urgente repensar as nossas cidades, não apenas para resistir a essa mudança, mas para antecipá-la com inteligência.

A qualidade da nossa velhice não depende apenas do corpo. Depende também dos passeios, dos bancos da praça, do autocarro que chega… ou não. O espaço urbano não é um pano de fundo neutro: é um fator de bem-estar ou de exclusão. E quando o ambiente exclui, a autonomia reduz-se, a participação social enfraquece e a saúde, inevitavelmente, deteriora-se.

O urbanismo também envelhece (e deve fazê-lo bem)

Muitas vezes pensamos no envelhecimento como uma questão individual: genética, saúde, atitude. Mas a verdade é que envelhecer bem depende tanto do corpo como do ambiente. Por isso, quando falamos de envelhecimento ativo, devemos também falar de urbanismo ativo. De design cuidadoso. De ambientes que capacitam em vez de restringir.
Não basta somar anos se esses anos forem vividos em reclusão. Em bairros que isolam, com passeios impossíveis, escadas intermináveis ou transporte inacessível. A longevidade também se joga nas cidades. E uma cidade hostil ao passo lento ou à conversa sem pressa é uma cidade que encurta a vida, mesmo que não o diga com palavras.

Cidades que não apenas toleram: que acompanham

Num mundo que envelhece — e que envelhece depressa — o urbanismo não pode continuar a pensar apenas na infância, na juventude ou na fase laboral. Precisamos de cidades que acompanhem a extensão da vida. Que não apenas tolerem as pessoas idosas, mas que as acolham, integrem e incentivem à participação.
Segundo dados da OMS, o design do ambiente urbano influencia diretamente o nível de atividade física, a saúde mental e a autonomia funcional das pessoas mais velhas. Estudos longitudinais demonstraram que as pessoas que vivem em bairros percecionados como seguros e caminháveis apresentam taxas mais baixas de depressão e maior manutenção das capacidades físicas ao longo do tempo.

Algumas pistas que nos podem inspirar

Em algumas partes do mundo, isto já foi compreendido. Em Espanha, iniciativas como os ambientes amigáveis ou os planos de acessibilidade urbana começam a ganhar presença, embora ainda com muitos desafios pendentes. No Japão, certos bairros redesenham as suas ruas para que caminhar não seja um obstáculo, mas um convite. Nos Países Baixos, os bancos estão estrategicamente distribuídos a cada 150 metros. E em várias cidades latino-americanas — como Medellín ou Montevideu — estão a ser exploradas abordagens intergeracionais que devolvem às pessoas idosas um papel ativo na vida comunitária.

Não se trata apenas de infraestruturas, mas de presença

Desenhar uma cidade longeva não é apenas adaptar infraestruturas. É criar condições para que ninguém fique de fora do tempo partilhado: nem nos parques, nem nos debates, nem nos trajetos do dia-a-dia. É pensar em quem pode chegar, mas também em quem ficou a meio caminho e já não insiste.

A cidade também comunica o que valoriza. Quando cuida dos seus bancos, quando oferece sombra na paragem de autocarro, quando permite que uma pessoa idosa chegue sozinha a uma biblioteca, está a dizer que essa vida importa. E isso — mesmo que não apareça nas estatísticas — é um fator de saúde pública.

Cidades longevas: mais habitáveis para todas as idades

Não se trata de construir cidades para idosos. Trata-se de construir cidades preparadas para a longevidade, mais habitáveis para todas as idades. Cidades que entendem que cuidar não é proteger: é capacitar. Reconhecer que o envelhecimento não é um problema, mas uma etapa a mais do percurso urbano de cada um de nós.

Porque, no fim de contas, a cidade que sonhamos não é uma cidade nova. É uma cidade que nos permita ficar. Ficar com os outros. Ficar a ser. Ficar vivos.


E se o verdadeiro urbanismo do século XXI não se medisse pela velocidade ou pela tecnologia, mas pela sua capacidade de cuidar de todas as idades?