Contra a epidemia silenciosa: solidão, vínculos e o direito a continuar presente

A solidão não desejada é mais do que um mal-estar emocional: é uma questão de saúde pública, um desafio social e um apelo urgente para reconstruir os vínculos que nos sustentam.
Vivemos mais, mas vivemos acompanhados?
Vivemos mais, mas por vezes vivemos mais sós. E a solidão, quando se instala, não só entristece: também deteriora. Hoje sabemos que a solidão não desejada tem um impacto direto na saúde física e mental. Não é uma intuição nem uma figura poética: é evidência. A solidão crónica nas pessoas idosas está associada a um maior risco de sofrer deterioração funcional, ansiedade, depressão e um agravamento geral do estado de saúde. Afeta o sono, o sistema imunitário, a saúde cardiovascular e a qualidade de vida.
E, no entanto, continua a ser uma realidade silenciada, vivida com culpa, vergonha ou resignação. Não se reconhece facilmente. Por vezes, nem sequer se nomeia.
A solidão não é invisível: é estrutural
Não se vê, mas sente-se. E não apenas em quem a vive, mas também nos ambientes que deixam de escutar as suas vozes. A solidão não desejada não é apenas uma questão emocional. É um fenómeno social, cultural e estrutural. Muitas vezes, não é escolhida: é imposta pela perda de pessoas próximas, pela fragilidade das redes de apoio, pela falta de transporte ou pela configuração urbana que isola. Também por um modelo cultural que enfraqueceu os laços comunitários e identificou a independência com a autossuficiência absoluta.
Combater a solidão implica transformar os nossos ambientes, mas também as nossas crenças. Implica reconstruir uma cultura do encontro, do cuidado mútuo, do reconhecimento do outro como parte necessária da nossa própria vida.
Não é exclusiva da velhice, mas agrava-se com a idade
A solidão não desejada afeta todas as idades. Está presente na juventude, em pessoas com deficiência, em quem atravessa um luto, em migrantes que deixaram para trás a sua rede de afetos. Mas na velhice pode tornar-se especialmente cruel, porque se combina com outras perdas: saúde, mobilidade, protagonismo social. E porque as nossas sociedades, ainda hoje, tendem a afastar quem já não está em idade produtiva.
Apesar disso, muitas pessoas idosas continuam a ter muito para oferecer. Precisamos de deixar de ver esta etapa como um encerramento e começar a vê-la como um tempo de presença, de conversa, de vínculo.
O que funciona: vínculos significativos, comunidade ativa
A boa notícia é que há formas de agir. E funcionam. Não há soluções milagrosas, mas existem estratégias eficazes. As atividades de grupo estruturadas, como oficinas, clubes de leitura ou grupos de caminhada, demonstraram reduzir o sentimento de solidão. Também o fizeram os programas intergeracionais, os bancos de tempo, as redes de vizinhança ou os espaços culturais acessíveis. O importante não é o formato, mas o sentido: criar espaços onde as pessoas idosas não sejam recetoras passivas de ajuda, mas protagonistas da sua participação.
A digitalização também pode ser uma aliada, desde que seja acompanhada com respeito. Aprender a usar um smartphone ou fazer uma videochamada pode abrir uma janela para o mundo. Mas não substitui o contacto humano. A tecnologia deve somar, não substituir. E quando é introduzida com acompanhamento e propósito, pode ser uma ferramenta poderosa para reconectar com o mundo, reconstruir redes e dar continuidade aos laços de sempre.
A comunidade como estratégia de saúde
Combater a solidão não é apenas uma questão de sensibilidade: é uma estratégia de saúde pública. Custa menos investir em vínculos do que em hospitalizações. Custa menos manter redes de apoio do que atender urgências evitáveis. Promover a participação social na velhice não é entretenimento, é prevenção. É dignidade.
As comunidades que cuidam são comunidades que reconhecem, que convocam, que não esquecem. Uma cidade que coloca bancos à sombra, que adapta horários, que facilita o transporte ou que gera espaços intergeracionais está a cuidar da sua saúde coletiva. Está a criar infraestruturas para que o encontro continue a ser possível.
Ninguém deveria chegar à velhice sozinho. E se chegar, não deveria permanecer assim
Viver mais deve significar também continuar presente. Continuar a contar. Continuar a importar. Porque estar presente não é só uma questão física. É ter com quem falar, com quem partilhar, com quem construir o quotidiano.
E isso, muitas vezes, começa com algo tão simples — e tão profundo — como ter com quem tomar um café, com quem trocar um olhar, com quem construir um pouco de companhia a cada dia.
As redes não se constroem sozinhas. Precisam de pessoas que cumprimentem, que perguntem, que escutem. Precisam de ti. Porque, por vezes, ser comunidade começa com um simples telefonema.
E se começássemos a construí-la contigo?
A quem poderias telefonar hoje para que saiba que continua a contar?