11/10/2025

E se eu não quiser viver tanto? Longevidade a partir do cepticismo

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Viver mais nem sempre significa viver melhor. No meio do entusiasmo pela ciência da longevidade, há uma corrente silenciosa — e cada vez mais lúcida — que se questiona se realmente desejamos prolongar indefinidamente a vida. O cepticismo não nasce da rejeição à saúde ou ao progresso, mas da intuição de que o valor do tempo vivido não pode ser medido apenas em quantidade.

O cansaço dos dias longos

As sociedades longevas celebram cada ano acrescentado como uma conquista coletiva. Mas, em muitos casos, a extensão do tempo de vida não é acompanhada de bem-estar, sentido ou companhia. Envelhecer mais pode transformar-se num horizonte vazio se os anos adicionais forem vividos com solidão, doença ou perda de propósito. O filósofo Byung-Chul Han falava do “esgotamento do sujeito contemporâneo”: uma vida prolongada, sim, mas saturada, sem pausas nem profundidade.

Num mundo que idolatra a juventude e teme o declínio, viver mais tempo pode parecer uma espécie de castigo estético ou emocional. A pergunta que alguns se colocam — e que poucos se atrevem a formular em voz alta — é simples: até quando viver faz sentido?

Contra a obrigação de ser eternos

A cultura da longevidade, por vezes, desliza para uma nova forma de moralidade: a da obrigação de se manter sempre jovem, ativo e produtivo. Nesta narrativa, morrer aos 90 parece um fracasso e mostrar sinais de fragilidade, uma falta de disciplina. Mas uma vida longa não pode converter-se numa corrida contra o tempo.
A escritora Susan Sontag já advertia para o perigo de transformar a saúde numa religião moderna. A longevidade não deveria ser um fim em si mesma, mas um espaço de liberdade: o direito de decidir como e até quando queremos viver. Martha Nussbaum recorda que a dignidade humana joga-se precisamente nessa autonomia: na capacidade de cada pessoa escolher o modo de habitar o seu corpo, os seus limites e o seu próprio final.

O medo de desaparecer

Por trás do desejo de prolongar a vida há um medo compreensível: o de desaparecer. A ciência promete, de certa forma, adiar esse desaparecimento. Mas o que acontece se o afã de viver mais acabar por retirar intensidade ao que foi vivido? No seu ensaio Mortalidade, Christopher Hitchens lembrava que aceitar o fim é também uma forma de reconciliação com a vida.

O filósofo Albert Camus dizia que a consciência do limite não nos empobrece, mas liberta-nos: “a vida é a soma das decisões que tomamos perante a certeza da morte”. Envelhecer com serenidade implica reconhecer o limite, não negá-lo. Não se trata de desistir, mas de reconciliar-se com a ideia de finitude, entendendo que o valor da existência reside também na sua fragilidade.

A rebelião dos que duvidam

O cepticismo perante a longevidade não é pessimismo: é lucidez. É a voz de quem defende que uma vida digna não precisa de ser infinita. É a reivindicação de um humanismo que coloca a ênfase na intensidade, não na duração.

Nos últimos anos, filósofos, médicos e gerontólogos começaram a falar de “longevidade com limites”: uma perspetiva que reconhece o mérito da ciência, mas que alerta para o risco de transformar a vida num produto de laboratório. Perante a promessa da imortalidade biotecnológica, surgem novas perguntas: o que acontecerá ao sentido da vida se já não houver fim? Que lugar terão o luto, a herança ou a memória se ninguém desaparecer nunca?

O historiador Yuval Noah Harari sugere que o sonho da imortalidade digital — a transferência da consciência para uma máquina — poderia transformar a identidade humana num algoritmo perpétuo. Mas o que restaria do humano sem vulnerabilidade, sem envelhecimento, sem limite?

Viver menos, mas com mais sentido

Talvez o verdadeiro progresso não consista em viver mais, mas em aprender a viver melhor. Em cuidar do tempo, em detê-lo, em não o acelerar até o esgotar. Em reivindicar uma vida plena de vínculos, de aprendizagens, de significado. Zygmunt Bauman escreveu que uma vida líquida, sem densidade nem compromisso, pode durar muito, mas deixa pouco rasto.

A longevidade não deve ser uma obrigação, mas uma possibilidade que se escolhe, se constrói e, quando chega o momento, também se deixa ir. O desafio não é desafiar a morte, mas reconciliar-nos com o tempo.


Se pudesses escolher, não tanto os anos da tua vida, mas a forma como queres vivê-los, o que priorizarias?