18/10/2025

Longevidade e geopolítica: quando a demografia reordena o poder mundial

jhm

O mapa do poder mundial está a envelhecer. Não são apenas as pessoas que envelhecem, mas também as estruturas que as sustentam. A longevidade, longe de ser um fenómeno exclusivamente biológico ou social, tornou-se uma nova variável geopolítica: os países competem não apenas pela riqueza ou pelos recursos, mas também pela forma como gerem o tempo de vida dos seus cidadãos. 
Segundo as Nações Unidas, até 2050 uma em cada seis pessoas no planeta terá mais de 65 anos. A demografia, que outrora foi um dado de fundo, tornou-se a nova linguagem do poder.

O poder do tempo

Durante séculos, a demografia foi o motor silencioso da história. Os impérios cresciam ou desmoronavam-se em função da sua capacidade para sustentar populações jovens e produtivas. Hoje, a equação inverte-se: as sociedades mais longevas do planeta —Europa, Japão, Coreia do Sul— enfrentam um dilema inédito.

Conquistaram o tempo, mas enfrentam o risco de que esse tempo se transforme num fardo económico e político.
A chamada “pirâmide invertida” —mais idosos do que jovens— está a transformar o equilíbrio global. Enquanto a Europa e o Leste Asiático envelhecem, regiões como África ou o Sul da Ásia experimentam um crescimento demográfico que reconfigura os fluxos migratórios, as cadeias de produção e os eixos de influência internacional.

Neste novo tabuleiro, o talento jovem torna-se um bem escasso que viaja para onde o envelhecimento necessita de sustentabilidade. A migração, mais do que um problema, será a ponte que ligará gerações e geografias.

Os novos polos da longevidade

O Japão foi o primeiro laboratório desta mudança. Com uma população em que um em cada três habitantes tem mais de 65 anos, o país teve de reinventar o seu modelo laboral e de bem-estar. A China segue-lhe os passos: o seu crescimento económico enfrenta uma força de trabalho em declínio e um envelhecimento acelerado após décadas de política do filho único.

Em contraste, a Índia, a Indonésia e a Nigéria emergem como potências demográficas jovens, com uma idade média que ronda os 30 anos. Mas essa juventude não é sinónimo de vantagem se não se traduzir em emprego, educação e coesão. A geopolítica da longevidade é, no fundo, uma corrida entre países que envelhecem demasiado depressa e outros que ainda não aprenderam a envelhecer.

Europa: longevidade e fragilidade estratégica

A Europa representa o laboratório político mais visível deste fenómeno. As suas sociedades envelhecidas são, simultaneamente, as mais democráticas, as mais equitativas e as mais vulneráveis à perda de dinamismo. A sustentabilidade das pensões, o peso crescente do voto sénior e a tensão entre proteção social e competitividade marcam a agenda política.

A chamada “lacuna geracional” não é apenas económica: é também cultural e política. Os valores do Estado social —solidariedade, redistribuição, universalismo— foram construídos em sociedades mais jovens. Hoje, a Europa procura reinventar o seu contrato social num contexto em que a idade média do poder político ultrapassa os 50 anos e o futuro depende de alianças intergeracionais. A coesão dependerá, cada vez mais, da capacidade de combinar experiência e juventude nas decisões públicas, bem como de incorporar tecnologia e automatização para sustentar a produtividade sem abdicar da equidade.

Enquanto a Europa procura reinventar-se a partir de dentro, o resto do mundo observa como o envelhecimento se converte numa nova forma de poder: o “poder cinzento”, um fenómeno que já influencia a geopolítica global.

O futuro do poder cinzento

Alguns analistas já falam de uma “geopolítica do envelhecimento”. O economista Nicholas Eberstadt, do American Enterprise Institute, defende que a combinação de baixa natalidade e alta longevidade poderá ser “o novo calcanhar de Aquiles do Ocidente”. Em paralelo, o demógrafo Joseph Chamie, ex-diretor de população das Nações Unidas, advertiu que a concorrência entre regiões “jovens” e “velhas” irá reordenar a economia global tanto quanto a revolução tecnológica.

Entretanto, potências como os Estados Unidos tentam manter o equilíbrio graças à imigração, que rejuvenesce parcialmente a sua pirâmide demográfica. A Rússia, pelo contrário, enfrenta um declínio demográfico severo, acelerado pela guerra e pelo êxodo juvenil. O poder cinzento —aquele que provém do peso eleitoral, da experiência e do capital acumulado das gerações mais velhas— está já a influenciar decisões estratégicas à escala mundial.

Uma questão de valores

A longevidade não apenas reordena o poder, como também redefine o que entendemos por progresso. As sociedades envelhecidas tendem a priorizar a estabilidade, a proteção e a memória. As jovens, a mudança e a expansão. O equilíbrio entre ambas as visões determinará a política global do século XXI.

A forma como as nações enfrentam o envelhecimento será também uma declaração de identidade: um espelho do que valorizam e de como imaginam o futuro.

A questão não é apenas quais os países que serão mais longevos, mas o que farão com essa longevidade. Convertê-la em vantagem —em coesão, sabedoria e bem-estar— ou permitir que se torne fragilidade. A geopolítica do envelhecimento não se trava entre nações, mas entre modelos de futuro: os que sabem cuidar e os que ainda não aprenderam a fazê-lo.

Talvez o século XXI não seja o tempo dos impérios, mas o das civilizações que aprendam a cuidar.


E se o poder do século XXI não dependesse das armas nem do dinheiro, mas de quem soubesse envelhecer melhor?