O lazer na longevidade: do turismo à aprendizagem ao longo da vida
Viver mais não significa fazer menos.
Nas sociedades longevas, o lazer deixa de ser um parêntesis para se tornar num território decisivo do bem-estar. Já não falamos de “tempo livre”, mas de tempo com sentido: um espaço onde se cultiva aquilo que somos quando as obrigações perdem peso e a vida, finalmente, pode desdobrar-se com liberdade.
Envelhecer não é retirar-se: é reorganizar a vida para que o lazer —essa palavra humilde, tantas vezes subestimada— se torne motor de saúde, propósito e ligação.
O lazer como indicador de bem-estar
Durante décadas, medir o envelhecimento era medir anos. Hoje sabemos que a qualidade desses anos depende, em grande parte, de como são utilizados. O lazer não é um luxo; é um determinante do bem-estar emocional, cognitivo e social.
Os estudos sobre longevidade saudável mostram que as pessoas que mantêm atividades prazerosas —viajar, ler, aprender, dançar, explorar, criar— apresentam menor risco de depressão, maior resistência ao declínio cognitivo e uma perceção mais positiva da vida.
O lazer não só entretém: estrutura a identidade, cria vínculos, abre horizontes.
Nas novas sociedades longevas, o lazer deixa de ser o “depois de tudo” para se tornar no “e agora, o que quero ser?”
Turismo: viajar para continuar a fazer parte do mundo
O turismo é uma das formas mais visíveis de lazer, mas também uma das mais profundas. Para muitas pessoas idosas, viajar não é escapar: é continuar a pertencer ao mundo, participar nele, permanecer sujeito ativo da experiência.
A viagem amplia a memória, abala rotinas e alimenta a curiosidade —esse músculo invisível da longevidade. Tanto em Espanha como em Portugal, o turismo sénior consolida-se como fenómeno cultural e económico que revela algo essencial: a mobilidade é também uma forma de liberdade.
Já não falamos apenas de termas ou viagens organizadas. Falamos de rotas culturais, caminhadas, turismo criativo, visitas a espaços naturais, experiências gastronómicas, voluntariado internacional, intercâmbios intergeracionais.
Viajar como quem diz: “o tempo não me deteve”.
O lazer criativo: fazer com as mãos, pensar com a alma
A criatividade é outra forma de lazer que floresce com a idade.
Pintar, escrever, tocar um instrumento, fotografar, participar em oficinas ou coletivos culturais ativos uma dimensão do bem-estar que não pode ser medida com escalas clínicas: o prazer de criar, de transformar o tempo em expressão.
O lazer criativo oferece algo profundamente terapêutico: a possibilidade de narrar a própria vida.
E isso, em sociedades onde a velhice foi tantas vezes silenciada, é um ato de emancipação.
Aprendizagem ao longo da vida: estudar aos setenta, reinventar-se aos oitenta
Se o século XX inventou a educação obrigatória, o XXI inventará a educação contínua.
A aprendizagem ao longo da vida já não é uma tendência: é um direito.
Universidades seniores, programas culturais, cursos online, oficinas de história, filosofia, tecnologia, línguas, neurociência, literatura… aprender depois dos 60 não é um passatempo: é uma forma de continuar a crescer.
A evidência científica é clara: estudar em fases tardias aumenta a reserva cognitiva, melhora a autoperceção, reforça a autoestima e favorece a integração social.
Mas, para lá do cognitivo, a aprendizagem oferece algo mais íntimo: a sensação de que a vida ainda não está terminada.
As pessoas idosas que aprendem não regressam à escola: levam a escola consigo.
Lazer e comunidade: a importância de partilhar o tempo
O lazer também cria comunidade.
Os grupos de caminhada, os coros, os clubes de leitura, as oficinas comunitárias ou os espaços de voluntariado geram um tipo de vínculo que combate a solidão de uma forma que nenhuma intervenção clínica pode igualar.
Na Península Ibérica —Espanha e Portugal— esta dimensão comunitária do lazer tem um valor especial:
a conversa, a rua, a mesa partilhada, a tradição do passeio, a vida cultural de bairro… tudo isto faz parte da herança ibérica do bem-estar.
A longevidade precisa de comunidade, e a comunidade precisa de tempo partilhado.
Por isso, o lazer não é acessório: é infraestrutura social.
Uma nova ética do tempo livre
Talvez a revolução da longevidade consista, em parte, em revalorizar o tempo não produtivo.
Durante décadas, a sociedade mediu o valor das pessoas pelo que produziam. A longevidade questiona essa lógica: o lazer já não é uma pausa entre duas obrigações, mas um espaço legítimo de desenvolvimento humano.
O tempo livre não é tempo vazio: é tempo disponível.
Para viver, para descansar, para explorar, para estar com outros.
Uma sociedade que entende o lazer como um direito —e não como privilégio— prepara-se para envelhecer melhor.
Em que gostarias de investir o teu tempo quando o relógio das obrigações abrandar e o tempo começar, finalmente, a ser teu?