Uma nova narrativa para um novo tempo: por que o CENIE fala hoje de longevidade

Sem uma mudança na narrativa, não há mudança cultural duradoura. Nesta terceira publicação de O Caderno de Bordo do CENIE, exploramos por que repensar a forma como falamos da longevidade é o primeiro passo para transformar a maneira como a vivemos.
Toda transformação começa pela forma como nos contamos. Não há mudança estrutural sem uma mudança narrativa que a sustente, a inspire e a explique. Durante décadas, falar de envelhecimento foi uma forma de antecipar o futuro. Hoje, esse futuro já não está por vir: ele já chegou, e obriga-nos a nomeá-lo com novas palavras, a olhá-lo com outros olhos.
No CENIE, compreendemos que, se queremos contribuir para a construção de sociedades mais justas, inclusivas e preparadas para a longevidade, o primeiro passo é rever a nossa própria linguagem. Porque não se trata apenas de atualizar termos, mas de transformar os enquadramentos a partir dos quais pensamos, comunicamos e agimos. Se acreditamos na necessidade de uma nova narrativa sobre a longevidade, como não começar por nós próprios?
Do envelhecimento à longevidade: não é apenas uma questão de estilo
A linguagem que usamos nunca é neutra. Ela molda o que vemos, o que priorizamos e até aquilo que consideramos possível. Durante muito tempo, o discurso sobre o envelhecimento esteve ancorado — ainda que muitas vezes de forma não intencional — numa visão redutora: como etapa, como declínio, como carga, como “problema” a resolver. Essa narrativa, apesar de algumas evoluções, continua a girar em torno do que falta, do que se perde, do que precisa de ser atendido.
Falar de longevidade, por outro lado, muda o foco. Não nega necessidades nem vulnerabilidades, mas abre um horizonte mais amplo. Permite-nos pensar no ciclo de vida completo, nas transições, nas contribuições. Obriga-nos a perguntar não apenas quantos anos vivemos, mas como, com quem, com que sentido e com que direitos. E recorda-nos que viver mais tempo é, antes de mais, uma conquista civilizacional — não um problema logístico.
A longevidade como fenómeno transformador
Ao colocar a longevidade no centro da nossa narrativa institucional, não estamos apenas a adotar um novo termo: estamos a reformular a nossa forma de compreender a realidade. Já não se trata de nos centrarmos num grupo etário específico, mas de compreender uma transformação estrutural que afeta toda a sociedade. Porque a longevidade não é um fenómeno individual: é uma nova condição social.
Isto implica repensar a forma como organizamos o tempo, o trabalho, a aprendizagem, a proteção social e os vínculos entre gerações. Implica reimaginar a educação, a arquitetura, o urbanismo, o desenho das políticas públicas e até a própria ideia de cidadania. E, acima de tudo, implica construir novas formas de relação entre as idades. Não como compartimentos isolados, mas como trajetórias de vida diversas que se entrelaçam e se enriquecem mutuamente.
Contar de outro modo para viver de outra maneira
A decisão de renovar a narrativa institucional do CENIE não surge de uma moda nem de uma estratégia de comunicação. Surge de um processo de escuta, de análise crítica, de convicção ética e de coerência com o que promovemos. Se queremos influenciar a forma como as sociedades compreendem e gerem a longevidade, devemos começar pela forma como a nomeamos.
Isso significa rever as nossas secções, os nossos textos, as nossas prioridades. Significa construir uma linguagem mais justa, mais precisa, mais capaz de captar a complexidade do mundo em que vivemos. Significa também ultrapassar uma visão centrada na idade cronológica, para avançar rumo a uma compreensão mais rica dos percursos de vida, dos contextos, das capacidades e das oportunidades.
Falar de sociedades longevas, de esperança de vida saudável, de economia da longevidade, não é apenas mudar etiquetas. É reorganizar o pensamento, abrir novas perguntas, convidar novas respostas. É declarar que o CENIE não se limita a descrever o que acontece, mas aspira a fazer parte do que pode vir a ser.
Uma transformação que começa em casa
Este artigo não é apenas uma explicação. É também um convite. A quem nos acompanha, a quem colabora connosco, a quem se sente parte desta conversa. Queremos partilhar este processo, torná-lo visível, oferecê-lo como exemplo de algo maior: a possibilidade de construirmos juntos uma narrativa diferente para um tempo diferente.
Sabemos que os relatos não se impõem: tecem-se. E que uma nova narrativa da longevidade não será fruto de uma só voz, mas de muitas. Precisamos de filósofos e cuidadoras, economistas e vizinhas, urbanistas e reformados, jovens e profissionais de saúde. Precisamos de pluralidade, escuta, imaginação, rigor e afeto.
Desde o Diárop de Bordo do CENIE, este espaço que cuidamos com atenção, queremos abrir caminho a esses novos relatos. E que melhor maneira de o fazer do que começando pelo nosso. Porque, se aprendemos algo neste processo, é que toda transformação começa pela forma como nos contamos.
E se o problema não fosse a velhice… mas a forma como a contamos?