Admissão de pessoas idosas com demência na lei 8/2021
A Dignidade da Pessoa é o valor supremo do Ordenamento Jurídico Espanhol e, por extensão, o exercício dos Direitos Fundamentais que lhe são inerentes deve ser assegurado em todas as circunstâncias e especialmente em situações de vulnerabilidade.
A deterioração cognitiva associada à velhice é uma causa para a admissão num lar de idosos, quando a evolução da doença requer cuidados profissionais para o bem-estar da pessoa afetada.
A Lei 8/2021, relativa ao apoio à tomada de decisão das pessoas com deficiência no exercício da sua capacidade jurídica, dá prioridade às preferências e à vontade, promovendo a adoção de medidas de apoio que garantam a vida autónoma e independente das pessoas vulneráveis.
A realidade é que, no caso da demência, a autonomia pessoal é drasticamente reduzida até desaparecer, transferindo para o meio envolvente do doente a iniciativa na procura de recursos em todas e cada uma das situações imprevistas e desconhecidas que vão surgir.
A entrada num lar de idosos implica uma mudança de residência e pode constituir uma infração ao direito fundamental contemplado no artigo 19 da Constituição de 1978, uma limitação da autonomia pessoal e, por extensão, da liberdade individual. Se acrescentarmos a situação de vulnerabilidade, não é de estranhar a obrigatoriedade de autorização judicial, expressamente considerada pela Procuradoria-Geral da República, na Circular n.º 2, de 6 de Julho de 2017, como "directamente afectando a Dignidade da pessoa".
Consequentemente, a Lei n.º 8/2021 prevê no artigo 287.º do Código Civil que o tutor com representação carece de autorização judicial, entre outros, para "praticar atos de alcance pessoal ou familiar quando o interessado não possa fazê-lo por si próprio".
A nova legislação mantém a linha da anterior, exigindo o consentimento expresso do futuro residente para a admissão num lar de idosos, e no caso de ser impossível justificar a sua relevância e oportunidade através de autorização judicial.
O segundo parágrafo do referido artigo 287.º do Código Civil remete, no que respeita ao procedimento a seguir, para o previsto no artigo 763.º da Lei n.º 1/2000, de 7 de Janeiro, relativa ao processo civil.
O referido preceito está previsto para o internamento involuntário por perturbação mental, aplicando-se por analogia ao internamento de idosos em centros geriátricos, apesar de ambas as circunstâncias serem diferentes.
O transtorno mental altera a capacidade de decisão do paciente, requer tratamento para controlar a causa e estabilizar o paciente, terminando com a alta e a reincorporação na vida normal.
A deterioração cognitiva, por outro lado, é uma doença degenerativa e progressiva que requer um tratamento paliativo, porque, embora a evolução possa ser paralisada ou retardada, o doente nunca recuperará a situação anterior de plenas faculdades, nem poderá ser reintegrado na vida normal, e necessitará de cuidados para toda a vida, razão pela qual o internamento num lar de idosos é permanente.
O legislador perdeu uma oportunidade de ouro para estabelecer uma figura de apoio adaptada ao processo de envelhecimento que estamos a viver, limitando-se a referir, se quisermos evitar o procedimento judicial de internamento involuntário do artigo 763º do Código de Processo Civil, a prestação voluntária de medidas no domínio da saúde.
O consentimento informado pode ser dado preventivamente em relação a todos os aspetos do tratamento de saúde num documento de instruções prévias definido no artigo 11.º da Lei 41/2002, de 14 de Novembro, Lei de Bases que regula a Autonomia do Doente e os Direitos e Obrigações em matéria de informação e documentação clínica.
O declarante exprime a sua vontade relativamente à gestão futura, em caso de perda de faculdades, de todos os assuntos relacionados com os seus cuidados de saúde, incluindo, como aspeto adicional, o centro específico em que deseja ser tratado ou pormenorizando as qualidades que deve reunir sem se referir a um centro específico, bem como as circunstâncias que devem ser cumpridas para a admissão.
A segunda opção é a procuração preventiva introduzida no direito espanhol pela Lei 41/2003, de 18 de Novembro, sobre a Proteção do Património das Pessoas com Deficiência, e que a Lei 8/2021 converte em medida de apoio voluntário, colocando esta figura nos artigos 256 a 262 do Código Civil, Secção 2, Capítulo I, Das medidas de apoio voluntário do Título XI do Código Civil, Das medidas de apoio às pessoas com deficiência para o exercício da sua capacidade jurídica.
Já anteriormente expliquei a procuração preventiva, mas vale a pena recordar o seu alcance e significado, ainda que em breves pinceladas.
Neste caso, o mandante, com plena capacidade, confere expressamente a representação ao procurador para o caso de perda de poderes no futuro, ou inclui numa procuração geral uma cláusula de sobrevivência para a circunstância acima descrita.
Os poderes conferidos ao procurador podem incluir a admissão num determinado centro de cuidados especializados, ou enumerar as qualidades que devem ser satisfeitas sem fazer referência a uma entidade específica.
Não se deve esquecer que a eficácia da procuração preventiva depende da justificação da perda dos poderes de autogoverno responsável do outorgante, o que, como é lógico, se verificará mediante comparência em cartório com relatório médico que o certifique.
O mandante dá o seu consentimento para a sua futura admissão no centro de cuidados geriátricos indicado para os seus cuidados. O procurador, por sua vez, uma vez verificada a urgência e a necessidade de cuidados profissionais, procederá à admissão em conformidade com a vontade expressa antecipadamente.
Desde Setembro de 2021 que não existe um procedimento de modificação da capacidade, em virtude da entrada em vigor da Lei 8/2021, alertamos para a possibilidade de a atribuição de procurações se tornar um meio dissimulado de incapacitação.