Análise metabolômica sérica para a detecção de lesões hepáticas pré-neoplásicas em pessoas com fragilidade aumentada pela idade
Relatório 1: "Estado do Conhecimento no Tema".
Introdução
O estilo de vida moderno, com consumo frequente de dietas altas em calorias e pouca atividade física, é responsável pelo aparecimento de uma doença silenciosa cuja principal característica é o acúmulo excessivo de gordura no fígado (Figura 1). Quando não é acompanhada por um elevado consumo de álcool, é conhecida como doença do fígado gordo não alcoólico (FGNA).
Figura 1. Representação do acúmulo de gordura nos hepatócitos em pacientes com doença do fígado gordo não alcoólico (FGNA). Estimativa da prevalência na população global, em indivíduos com diabetes e em pessoas obesas. Evolução da prevalência de FGNA nos últimos 20 anos em obesos e em pacientes com diabetes tipo 2. Risco de FGNA na população em função do peso corporal.
Estima-se que esta doença afecte um terço da população mundial, tanto jovens como idosos, ligeiramente mais homens do que mulheres e é mais frequente em idosos, onde tendem a surgir mais complicações. Quando o fígado gordo não alcoólico é cronicamente mantido, pode evoluir para um estado mais grave, com inflamação e morte celular, denominada esteato-hepatite não alcoólica. Esta forma mais grave da doença é considerada um dos maiores desafios para o sistema de saúde do século XXI, uma vez que existe um número crescente de pessoas com sobrepeso/obesidade ou diabetes tipo 2, que correm maior risco da doença evoluir para uma fase mais grave de lesão mais grave com cirrose (Figura 2) e também correm maior risco de doença cardiovascular.
Figura 2: Quando o acúmulo de gordura nas células do fígado excede 5%, é referida como doença do fígado gordo não alcoólico (FGNA). Se a situação continuar, há inflamação e danos celulares (esteato-hepatite não alcoólica) e começam a formar-se cicatrizes. A presença destas cicatrizes (cirrose) é responsável pelo facto do fígado não desempenhar correctamente as suas funções e constitui um factor de risco para o desenvolvimento do cancro do fígado.
Como se trata de uma doença silenciosa, muitos pacientes não sabem que têm este dano hepático e o diagnóstico ocorre quando se encontra em estágios avançados, quando o dano é irreversível e há cirrose ou mesmo cancro do fígado. O único tratamento curativo é um transplante, que nem sempre é possível e tem um custo elevado, pelo que nos próximos anos espera-se que esta doença venha a representar uma carga económico para os sistemas de saúde nacionais.
Estão actualmente em curso vários ensaios clínicos para estudar a eficácia e a segurança de novos medicamentos que atrasam a progressão da doença para danos irreversíveis e também se está a investigar para a detecção precoce de danos hepáticos. O cancro de fígado mais comum é o carcinoma hepatocelular (CHC), seguido pelo colangiocarcinoma (CCA). Ambos os tipos de tumores são geralmente diagnosticados em pessoas com mais de 60 anos de idade e geralmente são detectados em estágios avançados, quando a remoção cirúrgica não é mais possível, e são caracterizados pela alta refratariedade à quimioterapia e mau prognóstico. Em geral, a sobrevida de 5 anos varia entre 10-40%. Em relação ao CCA, é um tipo de tumor muito agressivo e de mau prognóstico; quando os pacientes apresentam sintomas, geralmente estão num estágio muito avançado, com pouca oportunidade de cura. O facto de ser pouco frequente justifica que os resultados tenham sido mais lentos do que noutros tipos de cancro, mas, graças à colaboração internacional, estão a ser feitos alguns progressos.
Não existem atualmente biomarcadores não invasivos, específicos e sensíveis que permitam o diagnóstico precoce em pacientes em risco de desenvolver esses tumores, como pessoas com cirrose e outras doenças hepáticas crónicas. Vários estudos procuram marcadores que analisem fluidos biológicos: ADN tumoral circulante, vesículas extracelulares, que são vesículas libertadas das células e que podem conter características específicas das células tumorais, proteínas que podem aparecer alteradas nos tumores e estão também a ser feitas tentativas para detectar as próprias células tumorais no sangue.
Num estudo recente, realizado num pequeno número de pacientes com CHC, iCCA e sujeitos controle, que acaba de ser aceito na revista Hepatologia (https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/30325540), foram identificados vários metabólitos com baixo peso molecular que apresentam melhor capacidade diagnóstica que os marcadores séricos atualmente utilizados na clínica para auxiliar no diagnóstico desses tumores, alfafetoproteína (AFP) e antígeno 19-9 (CA 19-9), para CHC e CCA, respectivamente.
Objetivo
Este projeto tem como objetivo realizar um estudo de validação centrado em idosos para analisar a utilidade destes biomarcadores na deteção de lesões neoplásicas numa população particularmente frágil, em que a deteção precoce é vital.
Metodologia
Para a realização deste estudo, serão utilizadas amostras de soro de pacientes com CHC, CCA e grau hepático em diferentes estágios da doença, com diferentes faixas etárias (acima de 65 anos) e de indivíduos saudáveis (controle). A partir do soro os metabólitos serão analisados por meio de um dispositivo (HPLC-MS/MS) que permite detectar e quantificar cada um deles e determinar quais estão alterados e poderiam servir para detectar cada tipo de doença e discriminar entre eles.
Referências
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