Testamentos em caso de Urgência Sanitária
Há alguns meses, no blog Tribuna Abierta, abordei a sucessão e a herança. Na minha apresentação dos tipos de testamentos, passei quase sem mencionar os extraordinários, referindo-me quase exclusivamente aos ordinários.
Quem diria que o tsunami da covid 19 estava mesmo ao virar da esquina, o que, quase nove meses depois, ainda abala as nossas vidas e perturba as nossas rotinas.
A lei, espinha dorsal da sociedade, como todas as áreas, enfrenta mudanças importantes, que envolvem a adaptação das instituições legais, a revitalização de algumas que foram esquecidas, e quem sabe se serão criadas novas em resposta às consequências da epidemia, cuja extensão ainda desconhecemos.
Não quero soar como uma ave de mau agouro, mas vivemos numa situação sem precedentes e fechar os olhos a esta realidade é irresponsável. Com este fim, volto ao blog Tribuna Abierta com grande prazer e interesse, esperando que as minhas exposições sejam úteis nestes tempos difíceis que estamos a viver.
No caso da vontade que estamos hoje a tratar, é apropriado recordar as previstas no Código Civil para circunstâncias urgentes que impeçam ou dificultem a ida ao notário pessoalmente para expressar a última vontade e testamento, como acontece numa situação normal.
Estes são os chamados testamentos extraordinários, um recurso excecional e subsidiário que requer o concurso de determinadas circunstâncias, pessoais e/ou coletivas, que estão sujeitas a caducidade, e para a sua validade e eficácia deve ser seguido o procedimento de aconselhamento e notariado previsto por lei.
Estas são a vontade militar em caso de batalha, a vontade marítima de naufrágio, epidemia e perigo de morte que infelizmente são as posições atuais devido à crise sanitária que estamos a viver.
Os testamentos em perigo de morte e epidemia são modalidades do aberto, são concedidos oralmente sem a presença do notário, sendo aconselhável brevidade, simplicidade e precisão nas suas disposições, sem mais forma do que o testemunho. A excecionalidade determina a submissão à expiração, e em caso de morte do concedente, o início do procedimento legal pertinente que justifique a sua autenticidade.
O artigo 700 do Código Civil regula os testamentos concedidos em perigo de morte: "Se o testador estiver em perigo iminente de morte, o testamento pode ser concedido perante cinco testemunhas adequadas, sem a necessidade de um notário.
Os requisitos são um perigo eminente para a vida do testador, não é necessário um parecer médico para o provar, são suficientes provas, o consentimento das testemunhas ou o local da bolsa, um hospital, por exemplo. O concedente deve ter a capacidade de agir com pleno conhecimento do alcance e significado do acto. Cinco testemunhas adequadas, de idade legal e sem limitações de capacidade, que conhecem o concedente mas não o identificam, devem garantir a concordância das circunstâncias acima mencionadas e o conteúdo da última vontade e testamento.
O testamento pode ser concedido oralmente, sendo aconselhável reflecti-lo por escrito antes da morte do testador, recolhendo a sua assinatura, e em qualquer caso das testemunhas. Se a pressa da morte impedir que a última vontade do testador seja escrita, as testemunhas tratarão de a transcrever o mais rapidamente possível.
Se o testador superar o perigo de morte, o testamento concedido por este motivo expira após dois meses. Se ele morrer antes do fim de três meses, o procedimento de aconselhamento e notariado será instado, a fim de justificar a sua validade e eficácia.
A vontade em caso de epidemia, tal como previsto no artigo 701 do Código Civil, deve satisfazer os seguintes requisitos de legitimidade: deve existir uma declaração formal da autoridade competente, ou seja, um estado de alerta sanitário; o testador deve poder agir plenamente, quer seja ou não afetado pela epidemia; e a presença de três testemunhas adequadas que, como no caso de perigo de vida, o conhecerão, mas não é suficiente que o identifiquem.
Deve também ser escrito no momento da concessão ou mais tarde, o mais cedo possível e assinado pelo testador e testemunhas. Expira dois meses após a cessação da epidemia em caso de sobrevivência, e em caso de morte antes de três meses, será registado.
Os testamentos em perigo de morte e em caso de epidemia não são incompatíveis. Se os dois casos coincidirem, um ou outro pode ser escolhido, sendo o segundo preferível porque o menor número de testemunhas reduz a probabilidade de propagação do vírus.
A vontade holográfica é outra opção, regulada no artigo 690º seguinte e concordante com o Código Civil. É a concedida na letra do testador com a expressão da data e local, dados de identificação pessoal, em folhas numeradas, assinadas e rubricadas, sem erros ou supressões que, em caso de erros, devem ser corrigidos um a um. A sua autenticidade deve ser acreditada num procedimento de advertência e protocolização, uma vez verificada a morte.
As novas tecnologias podem ser utilizadas nos casos descritos, sendo possível a gravação vídeo do ato de concessão com a imagem física dos participantes que poderão ser identificados de voz viva, reunindo as circunstâncias e a expressão oral da última vontade do testador em toda a sua extensão.
A natureza excecional deste tipo de testamentos tem a vantagem de facilitar a manifestação das disposições que regulam a sucessão e a herança em situações de perigo iminente de morte e de epidemia. Ao mesmo tempo, tem a dificuldade de que a sua validade e eficácia, uma vez que não é concedida perante um notário, exija a sua autenticação. É aconselhável, portanto, nomear um ou mais executores que serão encarregados de dar a conhecer a existência do testamento, a custódia do documento contendo a última vontade do falecido e a gestão do procedimento de advertência e outras formalidades acima mencionadas.