09/09/2019

A Autotutela

La Autotutela - Tribuna Abierta, Sociedad

A Lei de 18 de Novembro de 2003 relativa à protecção patrimonial das pessoas com deficiência tem por objectivo oferecer alternativas que facilitem a prestação de cuidados a pessoas vulneráveis e a garantia de disponibilização de recursos económicos. Para tanto, o legislador propõe a atualização do ordenamento jurídico, modificando os preceitos do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Regulamento Tributário, e introduzindo novas figuras, como os bens protegidos ou a procuração preventiva, que trataremos oportunamente.

A nomeação preventiva de um tutor para si mesmo é uma daquelas novidades que, devido a discrepâncias doutrinárias, não foi incorporada na reforma do Código Civil em matéria de tutela de 24 de outubro de 1983. Em 2003, o envelhecimento da sociedade com o aumento correlativo das doenças degenerativas e demências tornou-se uma realidade, e um parágrafo foi acrescentado ao artigo 223.

A autotutela é um ato unilateral que se aperfeiçoa com a declaração de vontade em que o interessado declara quem quer cuidar de sua pessoa e de seus bens, em caso de perda de faculdades no futuro que o impeça de governar-se também, tendo efeito somente se o procedimento judicial de modificação de capacidade for processado, constituindo tutela ou conservadoria.

Para a sua perfeição não é necessária a recepção do destinatário, pessoa física ou jurídica designada para o exercício dos suportes, embora seja conveniente que, conheça a decisão verificando previamente a sua idoneidade e disponibilidade para assumir a função que se pretende confiar-lhe.

É um acto muito pessoal quando se refere a questões inerentes à Dignidade da pessoa e, consequentemente, só a pessoa interessada com plena ou suficiente capacidade de agir é legitimada para formular as disposições preventivas que constituem o seu conteúdo.

Concede-se em documento público com a solenidade dos atos com transcendência que exijam garantia de publicidade e eficácia, anotados ex officio a pedido do notário autorizador, à margem da inscrição do nascimento no Registro Civil correspondente, que acompanhará obrigatoriamente o pedido de modificação de capacidade para que o juiz conheça sua existência e avalie a pertinência ou não de seu conteúdo.

Não se trata de nomeação de guardião ou curador, poder exclusivo do juiz, mas de proposta que o declarante, no exercício de sua autonomia pessoal, revela ao objeto do qual é levado em conta.

A pessoa escolhida pode ser uma pessoa singular ou colectiva, ou várias que estabeleçam uma ordem de preferência na nomeação, e/ou de substituição em antecipação a dificuldades ou mudanças de circunstâncias que aconselhem o recurso. Os dados de identificação serão registados com precisão, a fim de evitar qualquer dúvida ou confusão no momento, impedindo a localização dos candidatos propostos e frustrando a eficácia do documento.

O artigo 223º do Código Civil permite uma autoprotecção abrangente. Na esfera pessoal, o local de residência, a residência privada ou um centro geriátrico serão organizados, podendo, neste caso, escolher um local específico ou especificar as características, bem como as circunstâncias que justificam a admissão.

No setor patrimonial, além da administração ordinária de receitas e despesas, é possível prever a gestão dos atos normativos que requerem autorização judicial nos termos do artigo 271 do Código Civil, a constituição de um patrimônio protegido, de qualquer outra figura ou medida que favoreça a rentabilidade dos bens, assegurando a suficiência de recursos e liquidez para cobrir atenção e cuidado.

Sem esquecer, os órgãos e procedimentos de fiscalização e controle oportunos para o cumprimento das medidas de autoproteção previstas, que terão caráter prévio e complementar aos atribuídos pela lei ao juiz e ao procurador inerentes a um sistema de autoridade como é o do nosso Código Civil.

Como todas as estipulações que emanam do exercício da autonomia pessoal, para serem eficazes devem respeitar os princípios, as normas imperativas de cumprimento obrigatório e a natureza jurídica da instituição a que se referem.  Normalmente, o conteúdo do documento de autogestão vinculará o juiz, desde que esteja de acordo com a lei e não seja contrário ao interesse do declarante, pessoa vulnerável que constitui o bem jurídico mais fraco e necessitado de proteção.

Deve-se ter em mente que a ideia é que ninguém melhor do que a si mesmo conhece suas circunstâncias, o que quer e precisa para ser feliz. Mas todos nós podemos cometer erros, ou as condições que definem nosso modo de vida podem variar, a ponto de tornar a coisa certa prejudicial em outro tempo, com o resultado de risco ou desamparo. Neste caso, se o que foi previsto no passado não garantir o bem-estar no presente, o juiz, em resolução fundamentada, poderá modificar ou mesmo dispensar medidas de autoproteção, acordando aquelas que julgar apropriadas.

O artigo 223º do Código Civil regula, no seu primeiro parágrafo, a nomeação de um tutor e o estabelecimento de medidas de protecção na medida em que tenhamos detalhado no que respeita à auto-protecção, dos pais em relação aos seus filhos menores ou adultos vulneráveis em testamentos, à tutela tradicional testamentária herdada do Direito Romano, ou num documento público.

O aumento da esperança de vida das pessoas com deficiências e incapacidades e o envelhecimento prematuro associado às deficiências ou doenças que lhes estão associadas, têm o efeito de coincidir nesta fase com os pais que sofrem as dificuldades da idade avançada que os impedem de continuar a exercer o apoio, sendo aconselhável e cada vez mais frequente preparar num documento público o alívio, enquanto têm a sua própria auto-proteção, existindo entidades que acolhem ambas as gerações. Desafios do envelhecimento que enfrentaremos pouco a pouco nos próximos anos.