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26/03/2024
Casa de América

O CENIE apresenta o relatório SOLiEDAD: um projeto que visa prevenir e combater a solidão indesejada.

O CENIE apresenta o relatório SOLiEDAD: um projeto que visa prevenir e combater a solidão indesejada.

O CENIE, o centro de estudos da longevidade dependente da Fundação Geral da Universidade de Salamanca, divulgou em Madrid os resultados do relatório SOLiEDAD "Ação Comunitária, uma ferramenta para a prevenção da solidão e do isolamento da população idosa", um documento que inclui as lições aprendidas e os desafios da intervenção empírica, uma iniciativa piloto e pioneira efetuada na cidade de Zamora, para enfrentar e combater a solidão indesejada na população idosa. O projeto, liderado pela investigadora do CENIE, Elisa Sala Mozos, contou com a colaboração da investigadora Regina Martínez Pascual e com a direção da Escola Universitária de Enfermagem do Campus Viriato de Zamora. 

María Jesús Goikoetxea, psicóloga e doutorada em Direitos Humanos pela Universidade de Deusto; Matilde Fernández, Presidente do Observatório Estatal da Solidão Indesejada; Óscar González Benito, Diretor da Fundação Geral da Universidade de Salamanca; Pablo Bustinduy, Ministro dos Direitos Sociais, Consumo e Agenda 2030; Elisa Sala Mozos, investigadora do CENIE e diretora do estudo; Jesús Gallego García, voluntário sénior e enfermeiro reformado; Clara Costas, investigadora social e especialista em intervenção na solidão indesejada dos idosos; Irene Lebrusán, doutorada em Sociologia e coordenadora da Área de Sociedades de Qualidade de Vida e Longevidade do CENIE, e Marta Martínez Fidalgo, voluntária júnior e estudante da Escola de Enfermagem da Universidade.

 

Apresentação e principais considerações  

A apresentação das conclusões do estudo teve lugar na Casa de América em Madrid e foi aberta pelo Diretor da Fundação Geral da Universidade de Salamanca, Óscar González Benito, que salientou que "o aumento da solidão indesejada com a idade representa um grande desafio para a sociedade. É de salientar que em todos os estudos há um foco de intervenção, um ponto de partida para começar a construir e um objetivo educativo para desenvolver recomendações para o futuro". 

A diretora do estudo, Elisa Sala Mozos, investigadora do CENIE, apresentou as principais conclusões do relatório, salientando que, com estes resultados, o próximo passo é "continuar a trabalhar com base nos ativos e nas aprendizagens geradas. Já realizámos um segundo ciclo com 20 pessoas, com as quais gerámos espaços intergeracionais, onde os mais velhos e os mais novos decidem em conjunto as atividades e os projetos a realizar. Estamos a obter lições muito úteis em termos de generatividade, empowerment e cobertura das expectativas relacionais das pessoas". Destacou também o papel desempenhado pelos voluntários seniores e juniores ao longo do processo de implementação do projeto, salientando que "sem eles, nada do que estamos a fazer seria possível".    

Irene Lebrusán, doutora em Sociologia e coordenadora da Área de Sociedades de Qualidade de Vida e Longevidade do CENIE, moderou a mesa redonda que contou com a participação de Matilde Fernández, presidente do Observatório Estatal da Solidão Indesejada; María Jesús Goikoetxea, psicóloga e doutora em Direitos Humanos da Universidade de Deusto, e Clara Costas, investigadora social e especialista em intervenção na solidão indesejada dos idosos. 

Irene Lebrusán explicou que combater a solidão dos outros é uma forma de combater e prevenir a nossa própria solidão. Neste sentido, a abordagem comunitária permite-nos não só aliviar as manifestações de um problema que afeta cada vez mais pessoas, mas também prevenir o seu aparecimento. "Uma sociedade só é tão forte quanto as suas relações sociais", concluiu. 

Durante a mesa redonda, Matilde Fernández salientou que "estamos a viver tempos de mudança global, também na sociedade espanhola, e enfrentar novos desconfortos sociais, como a solidão, vai envolver a mobilização de muitos atores-chave, como as administrações, a economia social", María Jesús Goikoetxea salientou "a necessidade de a administração reforçar o apoio às comunidades, uma vez que estas são os locais onde as pessoas se encontram, se conhecem, se influenciam e se relacionam entre si". A este respeito, Clara Costas salientou que "é importante que as administrações atuem, promovendo iniciativas comunitárias que tenham em conta a perspetiva intergeracional sempre que necessário". 

Posteriormente, tivemos a oportunidade de ouvir os testemunhos de dois dos voluntários que fizeram parte desta iniciativa e que têm sido parte integrante da mesma. Jesús Gallego García, voluntário sénior e enfermeiro reformado, e Marta Martínez Fidalgo, voluntária júnior e estudante da Escola Universitária de Enfermagem, que partilharam as suas experiências durante a sua colaboração no projeto. Para Jesús Gallego García, o estudo SOLiEDAD significou fazer parte de "uma experiência social e poder conhecer o que estava a acontecer, onde a parte emocional foi importante (...) fizemos amizade uns com os outros e foi uma experiência muito agradável". Da mesma forma, Marta Martínez Fidalgo partilhou que fazer parte do programa de voluntariado permitiu aos mais jovens "conhecer coisas sobre os idosos e as suas experiências" e fazer parte de uma experiência intergeracional".

O evento foi encerrado pelo Ministro dos Direitos Sociais, Consumo e Agenda 2030, Pablo Bustinduy, que afirmou que "hoje, felizmente, sabemos mais. Sabemos que a solidão deve ser abordada numa perspetiva comunitária; sabemos que a solidão é uma questão de bem-estar e de saúde. Por isso, quando falamos de solidão, já não podemos falar apenas de intervenções específicas e individuais, mas sobretudo de responsabilidade institucional e de políticas públicas". Se nos centrarmos no caso das pessoas idosas, vários estudos sugerem que o seu sentimento de solidão não tem tanto a ver com a solidão física, com o facto de estarem sozinhas, mas com a distância emocional que sentem. Como explica o relatório, os idosos querem respeito, querem proximidade, querem apoio e espaços de intimidade. 

Soliedad, escolher não estar só

O objetivo desta investigação empírica, tal como referido no relatório, era "abordar a solidão de uma forma específica e direta com uma abordagem de política pública, tendo em conta a complexidade do fenómeno no território e abordando a experiência das pessoas de uma forma concreta, no ambiente social e comunitário em que vivem as suas vidas"

Especificamente, através da metodologia implementada, conhecida como Participatory Action Research (PAR), o objetivo era envolver a população em todas as fases do projeto. O próprio procedimento permite a aprendizagem e a sensibilização, a capacitação e a ação transformadora. Neste caso, o primeiro passo foi estabelecer as bases sólidas para o desenvolvimento de um processo comunitário, onde o exercício da liderança deve partir de um agente conhecido e reconhecido pelo próprio território, para estabelecer uma relação de confiança com as pessoas e agentes sociais envolvidos. Esta liderança foi liderada pela Escola Universitária de Enfermagem do Campus Viriato de Zamora (EUEMIFER).  

A implementação da intervenção comunitária foi efetuada através do desenvolvimento de 7 fases e dois blocos complementares. O bloco denominado Processo Comunitário (que incluiu as fases 1 a 3) e o bloco denominado Processo com Pessoas (que incluiu as fases 5 a 7). Entre os dois blocos encontrava-se a 4ª fase, designada por deteção de situações de risco.  

As fases foram as seguintes: 

  1.  Base para o processo comunitário. Reuniões e entrevistas com os agentes locais. Consolidação da liderança da Escola Universitária de Enfermagem. 
  2.  Diagnóstico. Análise da população, mapa dos atores, entrevistas em profundidade, etc. 
  3.  Voluntariado, sensibilização, ativação do tecido comunitário. Recrutamento de voluntários. Constituição de uma associação de voluntários sénior. Constituição de um grupo de voluntariado júnior. Formação dos voluntários. Campanha de sensibilização. Ativação da rede comunitária (associações, farmácias, paróquias, centros de saúde, CEAS, etc.). 
  4. Deteção de situações de risco. Pontos de informação. 
  5.  Compreensão da experiência. Questionários e entrevistas em profundidade. 
  6. Identificação dos apoios adequados. Desenho da metodologia de intervenção direta por telefone (VOCES) e de atenção grupal (ENCONTROS). Formação de voluntários para a intervenção em grupo (ENCONTROS). 
  7. Intervenção grupal ENCONTROS. Implementação da intervenção grupal. 

Participação: a receção excedeu as expectativas 

De acordo com o próprio relatório, "o número de pessoas interessadas no projeto ultrapassou as expectativas. Inicialmente, esperávamos atingir um número de 24 pessoas, mas inscreveram-se um total de 60 pessoas e, devido à procura, foi necessário planear um primeiro ciclo de intervenção com 40 pessoas e um segundo ciclo de intervenção com 20 pessoas, que se realizaria após a conclusão do primeiro ciclo". 

Desta forma, a intervenção foi efetuada com um maior número de pessoas, a maioria das quais eram mulheres (67,86%). Isto coincide com o facto de que, hoje em dia, o simples facto de ser mulher e ser mais velha aumenta o risco de sentir solidão. A idade dos participantes variava entre os 60 e os 93 anos, com uma média de 76,85 anos. 

Em termos de estado civil, a maioria das pessoas era viúva (57%), 25% estavam em casal, 11% eram divorciadas e 7% eram solteiras. Estes dados coincidem "com os dados de outros estudos, que indicam que a prevalência deste sentimento aumenta com a viuvez, e entre os solteiros e os divorciados ou separados, a prevalência tende a ser maior entre os divorciados ou separados". 

Por sua vez, a grande maioria das pessoas que participaram no projeto vive sozinha (64%). Por último, 40% dos participantes tinham apenas o ensino primário e 21% o ensino universitário. De acordo com "a literatura empírica, os níveis socioeducativos mais baixos estão mais frequentemente correlacionados com a solidão, no entanto, neste caso, um terço da população frequentava estudos universitários". 

 

Intervenção de grupo ENCONTROS

A intervenção de grupo denominada ENCONTROS foi estruturada em 10 sessões, correspondendo a 3 fases. 

A primeira fase (Solidão e interesses) procurou abordar a solidão de uma forma aberta, onde cada um dos participantes abordou o tema a partir da sua própria experiência e perspetiva. Na segunda fase (Participação e vizinhança), a intervenção centrou-se na sensibilização e na articulação dos recursos do meio comunitário, incentivando a participação. Para o efeito, foi promovida "a tomada de decisões conjuntas sobre as atividades preferidas do bairro, bem como a partilha de passatempos e experiências entre os participantes". 

A terceira fase (Sentido da vida) procurou aprofundar "o conhecimento mútuo e o autoconhecimento, bem como orientar a vida quotidiana para a construção do projeto de vida, tendo sido realizado um trabalho de grupo sobre orientação para valores, incentivando a procura de sentido na vida com exercícios práticos e personalizados". 

Decálogo para a ação: combater a solidão na comunidade 

Durante o evento, foi apresentado o documento "Abordar a solidão a partir da comunidade. Um decálogo para a ação", que inclui as lições aprendidas com a intervenção pioneira desenvolvida na cidade de Zamora. 

1. A COMUNIDADE, um ativo contra a solidão. A comunidade, entendida como um ecossistema de relações, emoções e referências comuns que nos dão identidade, é um espaço comum e coletivo que oferece a oportunidade de transformação baseada na reciprocidade das relações. Quando se promovem processos participativos, colaborativos e intencionais, ultrapassamos a individualidade para alcançar a transformação coletiva.  

2. RECIPROCIDADE como motor essencial das relações. Procurar a reciprocidade nas relações, evitando o assistencialismo e a dependência, ao longo de todo o processo e em cada uma das ações realizadas, acrescenta valor ao processo de transformação, tanto individual como coletivo. Além disso, ao esbater as fronteiras entre voluntários, pessoal técnico e/ou pessoas que se sentem sós, coloca-os a todos no centro, como agentes de transformação. 

3. O PROCESSO em si, um poderoso agente de transformação. Em qualquer ação comunitária, o processo é tão importante como o resultado final. Na medida em que o concebemos como um processo de formação ou de educação, ele é também transformador, porque no seu desenvolvimento partilhamos conhecimentos, competências, princípios e valores baseados na corresponsabilidade, na ação coletiva, na confiança do grupo e da comunidade, na transparência, na deliberação e na participação.  

4. Um PROCESSO COMUNITÁRIO é sempre um processo vivo. Ponderar cada passo de forma participativa, garantindo espaços de deliberação e decisão conjunta, permitirá observar a realidade sob diferentes prismas, atender às necessidades do processo e reorientar as ações para construir as melhores respostas. É um processo vivo regido por múltiplas vozes e a flexibilidade nos permite articular os nossos passos em direção a um caminho significativo.  

5. LA INFRAESTRUCTURA SOCIAL, un bien común extraordinario. Servicios, entornos y espacios sólidos, saludables y adaptados a las necesidades de la población y del territorio que ofrezcan confianza y seguridad, son un ingrediente necesario. Que las relaciones prosperen, muchas veces, no es más que una consecuencia natural de tener un espacio en el cual poder tener un trato prolongado, recurrente, seguro y de confianza, y es en el espacio relacional donde que se dan oportunidades para la expresión y el abordaje la soledad.  

6. O QUEM ESTRATÉGICO, como fator-chave de sucesso. É essencial uma liderança comunitária clara e forte, exercida por uma figura conhecida e reconhecida pela comunidade. O processo de transformação começa com o trabalho de liderança dentro da equipa que o vai levar a cabo. De uma forma dinâmica, o seu conhecimento deve ser continuamente enriquecido e alimentado ao longo do processo para gerar relações de cumplicidade e tornar-se um ponto de referência claro, conhecido e reconhecido para a iniciativa a levar a cabo. 

7. Para além de uma lógica paliativa, a PREVENÇÃO. Devemos passar de uma lógica paliativa para uma lógica preventiva de ação/intervenção e abordar não só o aspeto relacionado com as causas que se situam na esfera mais intrapessoal e interpessoal dos indivíduos, mas também as causas mais macro-sociais que facilitam a emergência dos sentimentos nas sociedades contemporâneas.  

8. UMA VISÃO ABERTA DA SOLIDÃO. A solidão é subjetiva e difícil de exprimir. Por vezes, teremos dificuldade em dar por adquirido que o sentimento está presente e, por vezes, estaremos apenas a perceber o risco de o sentir. Para não só aliviar, mas também prevenir, devemos ser flexíveis e, com um olhar aberto, atender às necessidades relacionais e ao significado vital das pessoas, com base na incerteza.  

9. SENSIBILIZAR SEM ESTIGMATIZAR. A solidão tem causas sociais profundas e apontá-las reduz a culpa e a vergonha. A sensibilização baseada na normalização e na responsabilidade partilhada evita os discursos que aumentam o isolamento e o estigma. 

10. MAIS TEMPO, MAIS REDES, MAIS DENSAS. É importante tentar assegurar intervenções duradouras que permitam uma diversidade de interações (idades, preferências, interesses, pessoas) para que as relações se tornem cada vez mais sólidas e elegíveis. Os laços estão a ferver e quanto mais sabores, melhor.