Sobre os corpos velhos e a necessidade de agradar
O desejo de agradar aos outros, de ser querido apenas por existir, pode chegar a ser um fardo insuportável. Para algumas pessoas, ser considerado “simpático” será essa grande pedra que marca o dia a dia, impedindo de se transformarem em pessoas felizes se não forem amadas desde o momento em que entram na sala e disparando as suas inseguranças até limites prejudiciais para elas próprias e para quem as rodeia. A necessidade de agradar a estranhos pode dominar a vida e interferir na relação consigo mesmos. Esta necessidade de agradar pode adquirir diferentes manifestações, sendo mais comum e mais visível a necessidade de que o nosso físico (a primeira impressão) seja agradável a qualquer olhar. E isso pesa.
Com a velhice, o medo de não agradar adquire outro tom. É mais forte nas mulheres do que nos homens, e é também mais duro, mais difícil para as primeiras; vemos isso no cinema, na publicidade, nas redes sociais, onde o ideal do homem maduro, com os seus cabelos brancos e rugas de sabedoria, supõe um nível extra. As mulheres, pelo contrário, parecem perder pontos a cada dia que passa. Há pouco vi alguma publicação no Instagram onde homens de atrativo inexistente criticavam o aspeto de Pamela Anderson devido à sua idade e negativa em usar maquilhagem. Criticavam a passagem do tempo. Desconheço a necessidade de agradar desses homens, mas a estes, decerto, não lhes importava “ser simpáticos” nesse meio. Os sentimentos da mulher criticada, sem dúvida, também não.
A idade parece ser um fator-chave nisto de agradar e está muito associada ao atrativo físico. Quando os homens podem estipular o seu ideal de idade em potenciais parceiras afetivas (ou sexuais), concentram-se em idades muito mais jovens do que as suas; assim, um estudo da okCupid apontava que os homens tendem a enviar mensagens com maior frequência a mulheres mais jovens do que eles, chegando a ignorar mulheres da sua própria idade e ainda mais se forem mais velhas do que eles. Socialmente não está tão mal visto se são eles os “maduros”; os casamentos/relações intergeracionais (e é que o são, também dentro do casamento há intergeracionalidade, ainda que nos soe estranho o conceito) não nos causam tanto alvoroço quando a idade superior é a do homem. Pensemos em relações como a de George Clooney e Amal Alamuddin; ou a de Clint Eastwood e Dina Ruiz. Não nos surpreende tanto; não recebe tanta atenção. Podemos, ao mesmo tempo, tentar recordar o quanto se ridicularizou infinitamente Cher ou Madonna por terem interesse em amores mais jovens do que elas ou, em terras pátrias, Sara Montiel por se casar com um homem 35 anos mais novo do que ela. A Bertín Osborne criticaremos (criticarão) por muitas coisas, mas não por sair com mulheres mais jovens.
Isto tem um significado muito amplo, profundo, mas parte dele está no valor associado ao corpo e à idade, à idade do corpo que habitamos. A sensação, a minha (que pode não ser partilhada, claro) é que a dissociação entre o corpo e o ser (quem és, quanto vales para os outros quando nos objetificam) é maior na mulher. Talvez seja o contrário; é muito menor, porque se assume que um corpo gasto equivale a uma pessoa gasta, sem valor. Prescindível, inclusive. O corpo converte-se assim numa espécie de matéria inerte, desencantada, e, portanto, maleável à vontade, de modo que a cirurgia estética passa a ser aceitável e, nalguns meios, até exigível. Sobre isso escrevi há algum tempo (aqui).
Como aqui a classe socioeconómica importa e impacta, e até nos exige de forma diferente, no caso das mulheres que envelhecem em contextos mais desfavorecidos a exigência não passa pela cirurgia, mas pela “invisibilidade” ou uma maior exigência de adaptação comportamental a essa idade imposta externamente. Ou seja: pintar o cabelo de determinadas cores, as roupas, a atitude, inclusive, deverão adequar-se ao que consideramos próprio numa “senhora de idade”, o que supõe limitar a forma de agir, de parecer, de ser. Não lhes é permitido “extrapolar” usando uma minissaia por muito estupendas que sejam as suas pernas. Mesmo que essas pernas sejam tão estupendas que sejam capazes de nos suster e de nos levar a montanhas distantes, que é, afinal, o que podemos exigir de umas pernas para que sejam estupendas. O que nos esquecemos dos corpos é que não têm função de parecer ou de agradar ao de fora, mas de suster quem somos; ao de dentro.
Em definitiva: o corpo na mulher foi eternamente uma carcaça diluída, despossuída na realidade (ou disposta para a posse por parte de outros. Ocorrem-me vários debates a esse respeito) e na velhice é, além disso, um espaço de que se afastar. Se as mulheres sempre nos sentimos afastadas dos nossos corpos, na velhice a distância pode converter-se em infinita. Depois estão as mulheres sábias, que estão fartas de discutir com o seu corpo e decidem fazer as pazes em idades avançadas, pintar-se de rosa (ou não se pintar) e já está, acabou-se. Rainhas estas, infinitas.